Sunday, July 10, 2022

PL 4471/2020: SOCORRO!

Recentemente uma iniciativa para regulamentar a propriedade, registro e o mercado de meteoritos nacionais ganhou força no Brasil. Vou expor aqui minha opinião sobre essa proposta de PL que segundo o grupo de trabalho responsável tem os objetivos dê:

  1. Fomentar os achados de Meteoritos
  2. Definir a questão de propriedade
  3. Garantir o registro das peças em território nacional
  4. Proteger contra a exportação ilegal

Adianto que ao meu ver, essa PL falha em todos os seus objetivos. Com potencial para fomentar o comercio ilegal e o contrabando. Ela onera o dono do meteorito, traz prejuízos ao comerciante, não garante a saída ilegal de meteoritos com potencial de dar aparente legalidade a um espécime, não creio que ajude a aumentar a localização e registro de meteoritos nacionais e por fim possui cláusulas abusivas e talvez inconstitucionais.

Antes de tecer comentários sobre o texto da PL em si. Vamos a alguns fatos importantes.

  • Hoje em dia qualquer pessoa que ache ou pense que achou um meteorito, pode de forma gratuita enviar pequenas amostras (poucos gramas são necessários) para instituições públicas como a UFRJ, Unicamp e USP para estudo e classificação. Sendo esses poucos gramas definidos pelas próprias instituições como o suficiente para a execução dos trabalhos científicos e reservas técnicas
  • Pelo menos nas últimas duas décadas, TODOS os meteoritos nacionais que constam no Meteorical Bulletin tem amostras em instituições de pesquisa governamentais no Brasil para estudo científico, Quase 100% delas classificadas dentro do território nacional. Isso significa que mesmo sem uma legislação específica sobre o tema, as amostras estão presentes em solo brasileiro para estudo.
  • Hoje em dia já existe a contrapartida de obter valor agregado à um meteorito por meio de sua classificação por entidades públicas, sem custo algum.
  • O estímulo para procurar meteoritos e o desestímulo ao mercado ilegal e contrabando passa pela menor intervenção do Estado.
  • Para quem acha que achar meteorito é apenas pura sorte, provavelmente não parou para calcular o custo que se tem para passar uma semana executando essa tarefa. Custos com passagens aéreas, aluguel de carro e equipamento, hospedagem, alimentação, combustível, etc. 

Agora vamos aos comentários ao texto da PL.

Art. 5º Considera-se proprietário do meteorito:

I – o Coletor que o extrair:

a) de imóveis de sua propriedade; e

b) de bens de uso comum do povo;

III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,

quando encontrado em bens de seu domínio.

Comentário: Em ambos os casos se retirou o estímulo aos colecionadores e hunters de meteoritos que muitas vezes fazem disso sua fonte de renda e investem recursos em pesquisa com a finalidade de detectar local de queda. Não há nenhum motivo para essas pessoas ou empresas empregarem seus recursos, tempo e conhecimento para encontrar um meteorito se eles não serão de sua propriedade a priori.

Na minha opinião, o dono deverá ser o coletor. Isso de forma alguma fomenta a invasão de terras governamentais ou privadas. Deverá sempre haver autorização prévia do dono da terra para que os meteoritos sejam procurados, sejam pelos donos do imóvel ou através de um acordo entre as partes por um especialista/colecionador/comerciante de meteoritos.

Existem leis no Brasil que protegem as propriedades de invasões, acesso não autorizado independente do motivo (pesca, caça, turismo, extração de recursos, etc).

§ 1º Salvo expressa avença em contrário:

I - a propriedade do meteorito será dividida, na ordem de 50%

(cinquenta por cento), entre o coletor e o proprietário de imóvel privado atingido,

quando a coleta da peça for realizada a título gratuito nos domínios deste;

II - a propriedade do meteorito será dividida, na ordem de 50%

(cinquenta por cento), entre o coletor locatário e o locador do imóvel urbano ou

rural atingido;

Comentário: Não entendo que de forma alguma esse PL deve tentar regular porcentagens, divisões, compensações financeiras. Para que haja estímulo a procura (que envolve muitos custos) esse acordo deverá ser feito livremente entre as partes: proprietário do imóvel e coletor.

Será que alguém avaliou os custos que um coletor tem para encontrar um meteorito para decidir sobre porcentagens e compensações financeiras ? Esse equilíbrio deve vir do mercado e não do Estado.

Art. 6º O meteorito deverá ser levado fisicamente a registro, uma

única vez, pelo seu proprietário e às suas expensas, em até 180 (cento e oitenta)

dias após a coleta, em Instituições Registradoras indicadas pelo Poder Executivo.

Comentário: Que Brasil estamos considerando ? Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília ? Ou a média da população brasileiro que mal paga o fundamental para ter que arrumar recursos financeiros em uma viagem até uma instituição de registro no Brasil para entregar fisicamente o meteorito ?

§ 1º A divisão do meteorito em fragmentos menores antes do

processo de registro, obrigará que cada parte seja registrada separadamente.

Comentário: Entendo aqui que se um meteorito de 100g foi registrado e depois foi dividido em 100 fragmentos de 1g para venda está tudo certo. Ao meu ver isso possibilita que novos SOCORROs saim do Brasil de forma descaracterizada. Teremos capacidade de fiscalizar se aqueles muitos fragmentos de meteoritos são mesmo da massa original ?

Me parece uma medida sem efetividade e com potencial de burocratizar tanto o comércio internacional de meteoritos que o tornará, de forma legal, inviável.

Art. 7º Para efeito de registro e de pesquisa científica, parte da

massa do meteorito, correspondente a 20% (vinte por cento) de sua composição,

não podendo ser inferior a 30 (trinta) gramas ou superior a um quilograma, será

obrigatoriamente cedida à Instituição Registradora, a título gratuito.

Comentário: Hoje em dia alguns gramas de amostras já são suficientes para estudos, amostra técnica e exposição. Porque querem até 1kg do meteorito ? É uma massa de valor substancial, causa danos a massa principal que poderá perder valor de mercado.

§ 3º O meteorito ficará disponível para retirada pelo proprietário,

na Instituição Registradora, após o término da fase de Registro Definitivo.

Comentário: Mias uma forma de onerar o proprietário do meteorito, tirando o estímulo ao registro.

§ 1º A Instituição Registradora poderá, excepcionalmente e de

maneira justificada, abrir mão da cessão ou diminuir o percentual exigido no caput

deste artigo.

Comentário: Precisa-se justificar bem esse ponto, pois ele atinge em cheio os que vivem do comécio de meteoritos. Ao meu ver, já que hoje a ciência consegue fazer seu trabalho com amostras muito inferiores a 1kg, deve-se manter os valores atuais de massa (independente do tamanho do meteorito) e em casos excepcionais de justificados requererem amostras maiores.

Art. 8º O meteorito não levado a registro pelo seu proprietário nos

prazos desta lei poderá ter o percentual de cessão de sua massa aumentado para

até 50% (cinquenta por cento), quando da efetivação do procedimento de registro,

caso seja do interesse da Instituição Registradora.

Comentário: Classificaria isso como um abuso e uma falta de sensibilidade quanto a realidade sócio-econômica no Brasil. 

Art. 9º Os ganhos financeiros advindos de venda de material

obtido na forma dos arts. 7º e 8º deverão ser utilizados exclusivamente para

pesquisa de meteoritos, não podendo ser confundidos com patrimônio da

Instituição Registradora.

Comentário: Acho que o projeto de lei deve prever formas de fiscalizar essa venda e a aplicação do dinheiro. Tendo a pensar que se uma massa foi doada para ser estudada, reserva técnica para estudos futuros e exposição em museu, não deveria ser de forma alguma vendida

Como será feita essa venda? Quem definirá o valor ? Quem poderá comprar ? 

Art. 15. Os meteoritos coletados antes da entrada em vigor desta

lei deverão ser levados a registro no prazo de até 180 (cento e oitenta) dias, na

forma desta lei.

Comentário: Vou me abster de comentar se essa medida é inconstitucional ou não. Acho que é simplesmente um enorme absurdo e inexequível

Por fim me parece que sempre que assisto a debates desse grupo de trabalho, a dor pela perda do SOCORRO é a real motivação para essa PL. Mas tenho certeza que a PL não terá a capacidade de evitar a saída de novos SOCORROs. 

Acho que deveríamos estar medindo esforços para desenvolver tecnologias para aumentar a capacidade de localização de meteoritos em solo nacional. Para tal deve haver mais esforços no desenvolvimento de tecnologias com maior acurácia para detecção do local de queda, como por exemplo o uso de rede de sismógrafos. O uso de sensores dessa natureza já é estudado pelo menos desde a décadas de 70 [1] e existem resultados práticos de achados de quedas de meteoritos com boa acurácia.

Mas com que dinheiro ? Bom ai temos um problema de gestão de recursos públicos, prioridades, nossa capacidade de demonstrar que isso é extremamente relevante para o país.

Essa PL deveria discursar sobre intercâmbio entre colecionadores privados, museus e instituições de pesquisa. Um modelo de cooperação entre esses atores sem dúvida alguma poderia diversificar e enriquecer os acervos de amostras de meteoritos para fins de exposição, estudo e pesquisa científica no Brasil com custo baixo.

Não creio que haja mais espaço para tentar a elaboração de um texto novo ao qual se possa regular o tema meteorito com a interferência mínima do Estado nas relações comerciais, de custo e de propriedade, que traga propostas mais efetivas para o desenvolvimento da ciência e desenvolvimento tecnológico ligado ao tema. Então aguardemos o que o futuro nos reserva, mas creio que essa seja só a PL Do Cartório de Meteoritos, uma pena

[1] The Location of Meteorite Impacts by Seismic Methods - NASA/ADS (harvard.edu)

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